José Basto Gonçalves - 70º Aniversário

Jan 28, 2022

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José Agostinho Basto Gonçalves foi membro do Centro de Matemática da Universidade do Porto e Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Licenciou-se em Matemática pela Universidade do Porto em 1975 e em 1981 obteve o grau de Doutor em Matemática pela Universidade de Warwick. Regressou ao Porto onde teve um papel determinante na criação de uma cultura científica no departamento de Matemática, ajudando a incutir uma mentalidade orientada para a pesquisa em várias gerações de estudantes.

O CMUP não quis deixar passar em branco a data em que José Basto, professor, colega e amigo, faria 70 anos! Em sua homenagem deixamos assim aqui a referência à entrevista que lhe foi feita e que foi publicada no boletim do CIM (https://www.cim.pt/magazines/bulletin/41), em Dezembro de 2020, assim como os testemunhos de algumas das pessoas que tiveram o privilégio de poder interagir com ele, fosse como colegas, como amigos ou como alunos!

 

 

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Gostaria de deixar aqui uma pequeno testemunho do papel que teve na minha vida o Professor José Basto Gonçalves, ou Zé, como gostava que lhe chamasse.

Conheci-o como professor em duas cadeiras da licenciatura, Optimização e Teoria Qualitativa de Equações Diferenciais, assuntos que graças a ele criaram raízes e ficaram a fazer parte da minha cultura Matemática.

Quando entrei como assistente estagiária no Departamento de Matemática Aplicada fiquei a ocupar parte do gabinete do Professor José Basto Gonçalves. Não esqueço o “trata-me por Zé, sem o professor”, a que só consegui obedecer vários anos mais tarde, nem o ambiente único que se vivia nesses tempos no grupo Métodos Geométricos em Equações Diferenciais e Singularidades do CMAUP. Foi graças ao seu incentivo que fui fazer o mestrado e doutoramento para Warwick, experiência determinante na minha vida.

Também não esqueço o semestre que passou em Warwick em licença sabática, enquanto eu fazia o doutoramento. Na altura eu vivia numa casa alugada perto do Campus, enquanto o Zé, já Professor Catedrático, optou por ficar hospedado na International House (no Campus), no piso reservado aos estudantes de licenciatura. Soube mais tarde que tirava dúvidas de Matemática aos estudantes do primeiro ano que viviam com ele, e que o tratavam como um colega mais velho. Provavelmente nunca souberam que tiveram como explicador um Professor Catedrático de Matemática…

Quando terminei o doutoramento e escrevemos juntos dois artigos, os meus primeiros artigos científicos, alguém comentou que seriam os primeiros artigos que o Zé publicou com um co-autor. Posso dizer que tenho “número de José Basto-Gonçalves” igual a 1, o que muito me honra.

À pessoa única que o Zé foi, deixo aqui um profundo agradecimento pelo seu papel na minha formação como Matemática e uma grande saudade.

Inês Cruz

 

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No momento de iniciar a minha tese de doutoramento não tive dúvidas na escolha de orientador. Teria de ser o Professor José Basto Gonçalves, meu professor diversas vezes durante a licenciatura, que tinha supervisionado o meu trabalho para as provas de aptidão pedagógica e capacidade científica, e em quem poderia confiar incondicionalmente.  

Estou muito grata por tudo o que aprendi com ele, por ter desfrutado da sua paixão pela matemática, do seu poder de argumentação único, do seu sentido de humor e jovialidade e pela grande amizade com a qual sempre pude contar.

Uma mente brilhante. É assim que recordo o Zé (deste modo queria ele que o tratasse), meu professor, orientador e amigo que me deixa uma herança intelectual preciosa e uma saudade imensa.

 

Helena Mena Matos

 

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Fui aluna do Zé nos primeiros anos do regresso dele de Warwick (vejam só a minha idade...), fui orientada por ele enquanto Assistente do Departamento de Matemática Aplicada (naquele tempo ainda existiam Assistentes...), colaborei com ele na leccionação de algumas disciplinas e, com algum bridge pelo caminho, ficamos Amigos.

A cara de menino que conservou sempre contrastava com o seu sentido de humor e com o seu espírito analítico tantas vezes desconcertante. E como gostava de um bom jantar e de um bom vinho!

Acompanhou várias etapas da minha vida e, sendo sereno e reservado, teve intervenções que nunca esqueço, desde o ânimo que me deu quando, receosa, deixei a vida académica até ao comentário, tão dele, quando me queixava da falta de diligência do meu filho, ainda criança: "A dose certa de preguiça está na origem de muito progresso".

 

Rosário Álvares Ribeiro

 

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Fui aluna do Professor José Basto Gonçalves (conhecido por JAB entre os estudantes do ano) em 1987/88: as aulas de Controlo Ótimo, que a clareza cristalina da exposição do Zé transformava em aprendizagem excelente mesmo às 8h da manhã, serviram de base para o que hoje ainda uso no ensino de estudantes de Economia. A disciplina de Teoria Qualitativa de Equações Diferenciais, juntamente com a de Teoria de Bifurcação da Isabel, serviu para me mostrar algumas das perguntas que, até hoje, alegram a minha vida científica.

 Depois disso fui amiga do Zé: apesar de a partir daí a sua influência na minha vida científica ter sido menor, a qualidade do vinho e das conversas que fomos partilhando permaneceu comparável à das suas explicações em sala de aula.

 

Sofia Castro

 

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Strong man and kind colleague

To the 70-th of the birth of Prof. José Basto Gonçalves

Time erases the details of events. But, as I remember, the first time  José Basto Gonçalves and me met one another in August 1991 in Trieste at a conference at the ICTP. Somewhat later, there was my short visit to the University of Porto by his invitation, during which we discussed the problems of controllability of nonlinear systems and problems in the theory of normal forms of differential equations, which were of mutual interest to both of us.

And already in the early 2000s, at his invitation and with the support of the FCT, I came for few months  during several years,  for scientific work at the Mathematical Center of the University of Porto.  During these visits, we solved several controllability problems for nonlinear systems and published joint papers. However, after some time, I had the feeling, and later the conviction, that no less important and interesting issue of these visits was communication with José and his wife and colleague Isabel, with faculty colleagues, with ordinary Portuguese on the streets, in the bazaars, on holidays such as Sant Joan’s Day.  I found that the Russian and Portuguese peoples have two wonderful things in common - their kindness and hospitality. 

These qualities were highly characteristic of Jose, who grew up and formed in Porto in the north of Portugal. As the best representative of his people, he knew well the history of his country, its traditions and their peculiarities in different regions. Communication with him allowed me to get a good idea about all this. However, I would like to say a few words about two things in particular.

First, it is Portuguese cuisine. From time to time, José and Isabelle were invited to their home on Friday for dinner, or to some restaurant with traditional food in a good place, sometimes in the suburbs, for example, in Matosinhos, sometimes even in another city, to try something delicious, a traditional Portuguese dish that is well cooked here. Like any traditional meal in Portugal, the conversation at the table was always accompanied by the choice of a bottle of original Portuguese wine. In Russia, there is a theory by Academician Chazov that it is useful for a man after thirty years of age to consume up to 70 grams of strong alcohol per day. And José explained to me that, according to the published research of their wine community, it would be more beneficial to use wine for this purpose. I still remember him explaining to me that of the Portuguese wines, only the white João Pires has a slightly sweet aftertaste.

The second is communication in a male Portuguese company, namely, playing football with colleagues. Since my rural childhood, I have enjoyed playing active and accessible team games with friends, such as football and hockey. They help to form both the body and character, the foundations of communication in a male team, but in childhood we don’t think about it, we just play for fun. Many retain this interest for many years, as can be seen, for example, in the football teams "children and grandfathers" playing on the beach in Matosinhos on Saturdays and Sundays. José was from that category of men who have not forgotten the joys of their childhood. His invitation to his university football team of colleagues made me very happy and helped me keep my habits during my visits to Porto. Note that in the game he saw the field well and played in the pass.

He was a remarkable man, a thoughtful scholar and a benevolent colleague. That is how he will remain in my memory.

 

Alexey Davydov

 

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Conversando com o Zé, pensamos que houve três etapas, com momentos que fizeram diferença aqui no Porto.

Primeiro, quando chegamos, ninguém mais publicava em Matemática aqui. O projeto era tentar mandar pessoas para fora para verem outras realidades, serem expostas a outras ideias. Além disso, trazer gente para cá, para mini-cursos, bons matemáticos, para ajudar quem não saía. Outro trabalho foi manter um seminário regular, ponto de encontro, às vezes para estudar alguma coisa em conjunto, às vezes para falar de coisas novas.  Valia tudo desde que fosse boa Matemática. Com o tempo passou a ser cada vez mais Matemática nova, o que foi ótimo e continua a haver seminários regulares que foi um bom costume que o Zé criou.

Um segundo tempo aconteceu com a criação do Mestrado em Matemática Aplicada, este em colaboração com bastante mais gente que já havia por aqui, colegas entusiasmados. Muito antes já achávamos que devíamos fazer isso, mas foi surpreendente a diferença que fez: o departamento cheio de gente nova, discutindo coisas bonitas. O ambiente mudou para melhor. Foram cerca de 90 dissertações orientadas, 90 pessoas que começaram a tentar fazer Matemática e muitos continuam. Para eles foi importante, mas para nós que trabalhávamos no Mestrado também. Foi um estímulo para continuar e para manter o contato com as pessoas que voltavam de fora. E com isso começaram a aparecer os estudantes de doutoramento.

O terceiro grande salto foi a fusão dos dois centros CMAUP e CMUP, tentando juntar todos (ou quase) os matemáticos da cidade, estivessem onde estivessem. Também mudou o ambiente de trabalho, para melhor e continua assim.

A melhor homenagem que podemos fazer ao Zé é continuarmos esse trabalho, o que felizmente muita gente está fazendo, no CMUP e fora dele, mesmo sem pensar que foi o Zé quem começou tudo.

 

Isabel Labouriau

 

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José Agostinho Basto Gonçalves - in memoriam

Nutro uma grande admiração pelo Zé. Aprendi muito com ele, em particular, nas 5 disciplinas que me leccionou, mas sobretudo nas longas conversas que tivemos e durante os momentos que convivemos. Considero que teve uma contribuição muito relevante para a minha vontade de prosseguir estudos e desenvolver investigação Matemática. Foi muitas vezes meu conselheiro ao longo da minha carreira.

Guardo com especial apreço a conversa que tivemos depois da minha primeira aula como monitor da disciplina de Mecânica Racional I, que ele regia, e ainda os tempos de convívio nos jogos de futebol que realizámos no CDUP. Era uma pessoa gentil e singular que nos deixa muita saudade.

 

Jorge Milhazes Freitas

 

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Conheci o Zé acabado de chegar de Inglaterra, onde tinha feito o seu doutoramento. Estava eu então no meu 4º ano ou 5º ano da licenciatura em Matemática e tinha de escolher uma de entre várias disciplinas optativas propostas. Ele era o proponente de uma delas – salvo erro Controlo Óptimo. Juntamente com outros colegas, fui falar com ele para saber pormenores sobre os conteúdos da disciplina e fiquei logo convencida... sobretudo pela ideia de o ter como professor. Tudo nele era cativante! E tanto me cativou que acabei por também escolher fazer com ele não só tudo que era optativo como também as Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, que à época permitiam a um assistente estagiário passar a assistente. Tive também o prazer de ser sua assistente e de com ele ir aprendendo tanta coisa. Não só da Matemática, mas também da vida. Chegada a altura de ir fazer o doutoramento, não aceitou ser meu orientador por achar que eu precisava de sair do país, mas deu-me todo o apoio para encontrar um outro orientador e conseguir uma bolsa para estudar no estrangeiro. Estou-lhe eternamente grata por esse empurrão que me deu, ficando sempre na rectaguarda para me apoiar. Mas a coisa que nunca mais esquecerei é a sua paciência para ouvir, com aquele tão especial sorriso nos olhos, para depois dizer, se caso disso fosse: “Não é bem assim…”

 

Paula Rocha Malonek

 

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O Professor José Bastos foi meu professor e orientador no mestrado. Quando escrevia, era impossível não admirar o papel imaculado, o caráter sucinto e claro do discurso matemático, numa palavra, a elegância. Humanamente, transmitiu-me uma tranquilidade motivadora, uma combinação de exigência e compreensão que tornou o trabalho prazeroso. Foi um professor que me marcou profundamente.

 

Vitor Matos

 

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O Professor José Basto teve um papel muito importante para mim, quer a nível profissional quer a nível pessoal. Na minha formação como Matemática o papel por ele representado é bem claro! Lecionou-me 5 cadeiras entre licenciatura e mestrado tendo depois, de forma natural, se tornado meu orientador de mestrado e de doutoramento. Era uma pessoa com quem podíamos sempre falar e que tinha sempre um bom conselho para dar!

Foi com muita satisfação que recebi o convite por parte do Jorge para lhe fazer a entrevista para o boletim do CIM. Foi um privilégio para mim ter tido essa oportunidade. Apesar de tantos anos de convívio continuava-o a tratar por “Professor” e ainda me lembro na entrevista ele ter dito com ar bem disposto "depois de 15 anos de doutoramento, que tal tu cá, tu lá?" Era uma pessoa brilhante e ao mesmo tempo simples que nos deixa muita saudade.

 

Helena Reis

 

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A minha homenagem ao Zé Basto

Depois da notícia brutal e da terrível perda que sentimos, quero falar do privilégio de ter convivido com o Zé, durante mais de 30 anos. Convívio feito de muitos encontros, muitas conversas e muita convergência nas paixões que partilhávamos – pela matemática, que me ajudou a compreender, pela música e também pela paixão clubística.

Havia divergências, é claro! Mas a personalidade do Zé era especial. Tinha fortes convicções e uma lucidez crítica sobre a vida. Com um pensamento muito estruturado, muito fluente na argumentação, tinha um poder de “desarme” notável. Raramente estava em desacordo, quando conversava com ele. Esse desacordo, quando existia, era retardado. Precisava de tempo para assimilar o seu pensamento e confrontá-lo com a lentidão do meu.

Tinha também grande sentido de humor e uma capacidade de rir das misérias e mesquinhices que, infelizmente, proliferam no mundo académico e na sociedade em geral.

Tudo o que recordo do nosso convívio é bom. É alegre. Não me lembro de nada de amargo. Eras uma pessoa delicada, inteligente, sensível e amiga. Por tudo isso te estou muito grato.

Um grande e eterno abraço

 

JNuno

 

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Conheci o professor José Basto-Gonçalves no ano letivo 2001/2002 quando me foi atribuída uma Bolsa de Iniciação à Investigação Científica (BIIC) do então Centro de Matemática Aplicada. Na altura estava no quarto e último ano da minha Licenciatura em Matemática e trabalhar com o Professor foi das experiências mais enriquecedoras que tive durante os meus anos formativos.

 

Durante o nosso projeto, sobre formas normais e linearização de campos de vetores ressonantes, o professor José Basto foi pacientemente desconstruindo várias noções enviesadas que eu tinha como aluna de licenciatura e mostrando que um projeto de investigação era bem diferente de resolver as folhas de exercícios para as aulas práticas. Afinal, a Matemática nem sempre era certinha e as contas com números bonitos. Afinal, nem tudo tinha uma resposta mais ou menos expectável usando os teoremas e as técnicas aprendidas até então. A incerteza de não saber se iriamos conseguir resolver o problema em questão era por um lado aterrorizadora, mas por outro lado muito desafiante e, para minha surpresa na altura, qualquer avanço era muito gratificante.

 

Para meu grande benefício, o contacto com o Professor José Basto não cessou com o fim da BIIC. Continuamos a trabalhar no projeto e publicamos aquele que foi o meu primeiro artigo no ano de 2005. O Professor incentivou-me como nenhum outro a prosseguir uma carreira de investigação e a fazer o doutoramento fora do país. Só anos depois, ao olhar para trás, percebi como o Professor podendo ser considerado como alguém da “velha guarda” era simultaneamente alguém muito à frente do seu tempo. Foi uma pessoa muito determinante no início da minha carreira como professora universitária; não só foi, dos meus professores, um dos que mais promoveu em mim o “bichinho” da investigação, mas quem me deu o melhor conselho profissional que já recebi até hoje.

 

Guardarei para sempre com carinho a imagem do Professor José Basto com o seu sorriso sereno na plateia na defesa da minha tese de mestrado e, mais tarde, nos meus seminários de cada vez que eu regressava “a casa” e fazia uma apresentação na FCUP. Sei que nunca se esqueceu de mim e também sei que nunca me esquecerei dele. Até sempre, Professor.

 

Ana Cristina Ferreira